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SUBSTITUIÇÃO DO DEPÓSITO RECURSAL POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL - AUXILIO NOS CAIXAS DAS EMPRESAS



Por Fábio Gonçalves Dias e Julyene Crys de Oliveira.


São Paulo, 30 de abril de 2020.


As incertas e alarmantes consequências da pandemia da COVID – 19, causada pelo novo coronavírus, colocam o mundo em situação de alerta. Medidas de afastamento e isolamento social adotadas por boa parte dos estados impõem o fechamento de empresas de alguns setores da economia, considerados não essenciais.


Sem adentrar no mérito se tais medidas são corretas – até porque foge da nossa área de conhecimento -, o fato é que está havendo uma desaceleração assustadora da economia global, inclusive, a de nosso país. Desta forma, em que pese medidas do Governo para tentar minimizar o impacto financeiro nas empresas, muitas delas, em menos de um mês, já estão sofrendo com problemas de fluxo de caixa.


Assim sendo, companhias terão que lançar mão de todos os meios possíveis para sobreviver à mais esta crise e, a substituição dos depósitos recursais e garantia, pelo seguro garantia judicial, poderá ser um deles.


Frisa-se que não estamos falando de valor irrisório, pois, estima-se que cerca de R$30 bilhões poderiam retornar às empresas.[1]


Todavia, tal solução não estava sendo aceita pelos Tribunais e, apenas recentemente, em função de decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), passou a figurar como possível.

A evolução do tema se deu da seguinte forma:


A Lei Federal 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) incluiu ao artigo 899 da CLT, o parágrafo 11º. Vejamos:

§ 11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.[2]

Em que pese a clareza do dispositivo, após meses da vigência da lei, alguns Tribunais Regionais, notadamente o da 2ª, 15ª e 24ª região – tribunais em que concentramos nossa atuação na seara trabalhista -, começaram a julgar Recursos Ordinários em que utilizavam o seguro garantia como desertos, pelo fato de constar data de vencimento na apólice do seguro garantia e, também, por não haver o acréscimo de 30% no valor da apólice (aplicando subsidiariamente o artigo 848, parágrafo único do CPC/15).


Em certos casos, associados aos motivos acima, alguns desembargadores, ainda, entendiam que o vencimento da fatura do seguro (pagamento do prêmio) com data posterior ao prazo fatal da interposição do recurso, também era motivo para a deserção do recurso. Para tanto, alegavam que, caso a empresa segurada deixasse de pagar o prêmio, o seguro perderia a validade. Portanto, não estavam aceitando, sequer, para a interposição dos recursos, que dirá utilizá-lo para substituir valores já depositados em juízo.


Tais argumentos, em nossa visão, eram fracos e facilmente afastados, e acabavam por cercear um direito previsto no ordenamento jurídico atual, violando a segurança jurídica. Vejamos:

Com relação ao prazo determinado de vigência, tal situação decorre de imperativo legal. O Código Civil, em seu artigo 760, determina que as apólices de seguro, necessariamente, terão prazos de início e fim da vigência. Na mesma linha são as circulares 256 e 477 da SUSEP.


Ao tratar do acréscimo de 30% ao valor da apólice, parece-nos não crível a aplicação subsidiária do CPC ao caso, uma vez que tratado de forma clara e específica na legislação laboral.


E, por fim, com relação ao pagamento do prêmio do seguro, também não se atribui razão aos desembargadores, já que nas apólices destes seguros constam, expressamente, que o não pagamento do prêmio não interfere na validade do seguro, cabendo às seguradoras, neste caso, a cobrança dos valores em aberto perante as contratantes.


Aliado a tudo isso, antes de decretar a deserção dos Recursos, caberia aos Desembargadores, por força do artigo 932, parágrafo único do CPC, a concessão do prazo de 5 (cinco) dias para o Recorrente sanar o vício ou complementar documentação considerada exigível. Tal artigo da lei processual foi, inclusive, através da instrução normativa nº 39 do TST (artigo 10º), expressamente considerado aplicável ao direito do Trabalho.


Nesta medida, utilizamos de alguns Embargos de Declaração no sentido de tentar uma reconsideração dos acórdãos, com a consequente abertura de prazo para sanar e ou complementar a documentação relativa aos seguros garantia. Sem sucesso!


Como não poderia deixar de ser, tais discussões chegaram ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) onde, também, não encontrou convergência de entendimentos.


A 2ª Turma, por exemplo, entendia pela impossibilidade da substituição do depósito recursal pelo seguro garantia, por este ter prazo de vigência.


Contudo, a decisão diverge de outros colegiados do mesmo tribunal. A 6ª e 8ª Turmas aceitavam a substituição por entender que a lei não trata de prazo de vigência.


Ante a divergência, o TST emitiu o Ato Conjunto CSJT. CGT Nº 01, de 16 de outubro de 2019 que dispôs sobre o uso do seguro garantia judicial e fiança bancária em substituição ao depósito recursal e para garantia da execução trabalhista.


Desta forma, com relação às celeumas apontadas, ficou definido que no seguro garantia para substituição de depósito recursal, o valor segurado inicial deverá ser igual ao montante da condenação, acrescido de, no mínimo, 30%, observados os limites estabelecidos pela Lei Federal nº 8.177/91 e pela Instrução Normativa 3 do TST; deverá constar da apólice a manutenção da vigência do seguro, mesmo quando o tomador não houver pago o prêmio nas datas convencionadas (com base no art. 11, §1º, da Circular 477 da SUSEP e em renúncia aos termos do art. 763 do Código Civil e do art. 12 do Decreto-Lei 73, de 21 de novembro de 1966) e, com relação à vigência da apólice, o prazo de validade deve ser de, no mínimo, 3 (três) anos.


Além disso, outros critérios formais com relação à apólice foram tratados, como, por exemplo, atualização de acordo com os índices legais aplicáveis aos débitos trabalhistas, cláusula de renovação automática, valor do prêmio, número do processo etc.


Outrossim, para uma maior fiscalização da regularidade das apólices apresentadas é necessária, em conjunto com a sua apresentação, a comprovação de registro da apólice na SUSEP e a certidão atual de regularidade da sociedade seguradora perante a SUSEP.


Desta forma, após a emissão da Circular pelo TST, o que verificamos, na prática, é que alguns magistrados passaram a conceder prazo para a adequação da apólice aos moldes do quanto definido pelo TST.


Todavia, ao tratar dos casos em que o depósito Recursal foi efetuado, bem como, nas situações em que a garantia do juízo para embargar a execução se deu em depósito judicial, o entendimento do TST, através dos artigos 7º e 8º do Ato Conjunto CSJT. CGT Nº 01, de 16 de outubro de 2019, foi no sentido da impossibilidade da substituição.


Art. 7º O seguro garantia judicial para execução trabalhista somente será aceito se sua apresentação ocorrer antes do depósito ou da efetivação da constrição em dinheiro, decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial. Parágrafo único. Excetuando-se o depósito e a efetivação da constrição em dinheiro decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial, será permitida a substituição, por seguro garantia judicial, de bem penhorado até sua expropriação, desde que atendidos os requisitos deste Ato Conjunto e haja anuência do credor (§ 2º do art. 835 do CPC);


Art. 8º Após realizado o depósito recursal, não será admitido o uso de seguro garantia para sua substituição[3]

Contudo, no começo de fevereiro, em decisão liminar no Procedimento de Controle Administrativo sob nº 0009820-09.2019.2.00.0000, o CNJ suspendeu os artigos supracitados.


Tal decisão foi acatada pelo Ministro Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho, no processo AIRR 0000214-53.2014.5.06.0019, citando expressamente em seu despacho, a decisão liminar do CNJ. Após ponderar o quanto determinado no Ato Conjunto, assim finalizou o seu despacho:


Por outro lado, fato superveniente, o Conselho Nacional de Justiça, nos autos do Procedimento de Controle Administrativo nº 0009820-09.2019.2.00.0000, deferiu em 3/2/2020 pedido de concessão de liminar, para suspender a eficácia dos artigos 7º e 8º do Ato Conjunto nº 1/2019 do TST.CSJT.CGJT, até decisão final de mérito. Portanto, estando suspensa a eficácia dos artigos supramencionados do Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1/2019, não há vedação para a substituição do depósito judicial pelo seguro garantia, desde que preenchidos os requisitos. In casu, como já afirmado anteriormente, foram observados os requisitos constantes no art. 3º do Ato Conjunto nº 1/2019. Logo, defiro o pedido de substituição dos depósitos judiciais realizados nos presentes autos pelo seguro garantia, conforme apólice anexada à presente petição.[4]


Agora, recentemente, o Plenário do CNJ efetivou a liminar anteriormente concedida pelo Conselheiro Mario Guerreiro e declarou a nulidade dos arts. 7º e 8º do Ato Conjunto CSJT. CGT Nº 01, de 16 de outubro de 2019.


O entendimento que prevaleceu foi o de que a existência de regras que vedam a substituição do depósito em dinheiro em execução trabalhista ou em sede recursal por seguro garantia judicial afronta o princípio da legalidade (art. 37 da CRFB) e a independência funcional da magistratura (arts. 2º da CRFB e 40 da LOMAN), trazendo negativas consequências econômicas para as empresas e economia nacional.


Isso porque, ao tratar de execução na justiça do trabalho foi permitida, através de legislação federal, a utilização do seguro garantia, conforme art. 882 da CLT, da mesma forma foi determinada a aplicação subsidiária do art. 835 do CPC e, neste, devemos conferir especial atenção ao parágrafo segundo.


Assim, permite o ordenamento jurídico que a penhora seja a qualquer momento substituída, sendo que dentre a ordem de preferência dos bens exposta no rol do art. 835, o seguro garantia é o primeiro, visto que conforme o seu §2ª é equiparado a dinheiro, desde que a apólice venha acrescida de 30% do valor original.


Como preceitua a doutrina[5], o art. 835 estabelece uma ordem de prioridade dos bens penhoráveis, não havendo um caráter rígido, devendo, as circunstâncias do caso decidir pelo que for mais conveniente aos interesses das partes e bom desfecho do processo.


Por conseguinte, vislumbramos que ainda que seja exposto um rol, essa ordem é preferencial, ou seja, pode ser flexibilizada e analisada conforme a conveniência e oportunidade das partes, demonstrando a sempre necessária aplicação da hermenêutica jurídica – análise da aplicação da lei em conformidade com o caso concreto.


Nesse sentido, um dos princípios que regem o processo executório é o princípio da menor onerosidade, que ensina que o Juiz deve conduzir o processo garantindo a satisfação do credor, entretanto, deve fazê-lo afastando um ônus desnecessário ao devedor[6], sendo o seguro garantia capaz de satisfazer o crédito nos autos e garantindo a circulação do capital do devedor.


Ou seja, vislumbramos que o artigo 7ª e 8ª do Ato Conjunto é expressamente contra legem, restringindo direito amparado por legislação federal, e cerceando o direito subjetivo da parte, qual seja, o de garantir uma solução menos onerosa, mas integralmente satisfativa, pois já é sedimentado que o seguro garantia goza de liquidez e certeza.


Outrossim, vislumbramos a inconstitucionalidade nomodinâmica do ato conjunto, visto que o art. 7ª e 8ª invadiu competência privativa da União de legislar sobre questões processuais (Art. 22, I CRFB).


Ocorre que mesmo vencida a matéria e expressa a nulidade, ainda nos surpreendemos ao encontrar posicionamentos de Desembargadores e Juízes que afastam a possibilidade da substituição com decisões carentes de fundamentação, limitando-se a informar que o art. 889, §11 da CLT não permite a substituição.


Nesse sentido, recentes pedidos de substituição com base na nulidade declarada dos artigos supracitados, foram (in)deferidos com diversas fundamentações ou ausência delas, sendo que ainda é minoritário o posicionamento do deferimento da substituição, assim, os valores permanecem engessados, sendo mantidos em uma espécie de “quarentena”.


Há ainda a necessidade, em tempos de crise, de lidar com decisões que se afastam dos fundamentos jurídicos e da cordialidade esperada pela autoridade judiciária, pois para alguns quando faltam argumentos jurídicos aparecem egos inflados.


De outra banda, temos ótimas discussões jurídicas quanto a possibilidade da substituição feita sob a análise da norma processual vigente ao tempo do ato, decisões essas que enriquecem o judiciário pois geram uma verticalização jurídica da discussão.


Vislumbramos, que a insegurança jurídica permanece e se espalha tal qual a pandemia vivida, conduzindo as partes do processo ao limbo da insegurança jurídica, ficando os advogados sem compreender tais anomalias e, aqueles que tiveram seu direito cerceado colocam em cheque cada vez mais a lisura do Poder Judiciário.


Para mais, a medida da substituição dos depósitos por seguro garantia se faz imperiosa em razão do fundamento da Constituição Federal, que tem como objetivo a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II da CRFB) e, para que o direito possa alcançar a pacificação social não é possível a hiper proteção de uma das partes; a balança da justiça deve se equilibrar – sempre garantindo que sejam tratados na medida de suas diferenças e não além ou aquém dessas.


Assim, garantir o direito da substituição dos depósitos por seguro garantia é cogente, não podendo sofrer um ato de cerceamento, bem como, não pode tal decisão partir da arbitrariedade de um entendimento com um simples indeferimento carente de fundamentação que combata toda a argumentação supra desenvolvida e, sequer, superficialmente, aborda o prejuízo que poderia causar ao exequente o seu deferimento.


Nesse momento devemos pacificar entendimentos que possam garantir direitos e fomentar todos os setores, permitindo o acesso à justiça e às garantias dos processos, mas também permitindo que a empresa – pequena e grande – tenha a possibilidade de incluir os valores atualmente imobilizados na Justiça do Trabalho no fluxo do seu caixa, pois é fator que pode afastar de muitos empreendimentos um futuro processo falimentar.

[1] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-10/seguro-garantia-processo-trabalhista-devolver-30-bi> Acessado em 08/04/2020 às 11:26. [2] BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. [3]TST. Ato Conjunto CSJT. CGT Nº 01, de 16 de outubro de 2019 [4] AIRR 0000214-53.2014.5.06.0019, Rel. Min. Agra Belmonte, 3ª turma, j. 17/02/2020. [5] GONÇAVES, Marcos Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 10 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pag. 844. [6] Ibidem, pag. 783.

Fábio Gonçalves Dias, Mestre em direito (EPD – Escola Paulista de Direito), especialista em direito empresarial e direito societário pela FGV-GVlaw, graduado em Direito pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e em Ciências Contábeis pela FECAP (Fundação Escola do Comércio Álvares Penteado). Sócio do escritório GDB Advogados - Gonçalves Dias e Bendheim Sociedade de Advogados. e-mail: fabio.dias@gdbadvogados.com.br


Julyene Crys de Oliveira, Especialista em Ciências Criminais pela PUC-PR, graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Advogada no GDB Advogados - Gonçalves Dias e Bendheim Sociedade de Advogados. e-mail: julyene.oliveira@gdbadvogados.com.br





 
 
 

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